quinta-feira, 1 de outubro de 2009

CARPINEJANDO...




* FULMINANTE


Eu planejei não me planejar. Amor para mim é doideira, descontrole, soluço de árvore na estrada. Andar de cadarços desamarrados, levar os ciscos e as ervas para casa. Arrastar as folhas e o solo. Varrer a rua em direção a casa, em movimento inverso. Sujar a casa de mundo, de premência.
Invejo quem programa seu casamento com antecedência, com dois ou três anos de noivado.
Nunca fui assim, de fazer maquete, de brincar de casa de boneca, de planejar cada passo.
Família não é uma empresa. Fali na família antes de ganhar alguma coisa.
Invejo quem só casa após segurança financeira. Amor nunca me concedeu segurança.
Invejo quem condiciona o enlace a uma lua-de-mel no exterior. Que seja de cara, na saúde e na doença; de cara, na alegria e na tristeza.
Relâmpago não é tão bonito sem chuva. Relâmpago sem chuva pede esmola. Quero a chuva dentro do clarão, o marulhar das calhas, a água nas escadas das telhas.
Sou do amor fulminante, como um enfarte. De perder a razão. Casar na hora, em dias, esquecer que não era possível, esquecer as dificuldades, esquecer os entraves e pormenores. Não dar tempo para criar problemas. Não dar tempo para ponderar com opiniões dos próximos. Não aceitar conselhos de ressaca, decidir ébrio e arrepender-se amando. Ultrapassar-se.
Não sei como montei a minha casa. Amor junta os pertences, não reclama. Faz funcionar o que não existe.
Deixo a demora para Deus, sou mesmo apressado em mim para ser lento no corpo dela.
Invejo quem faz lista de presentes em lojas e recebe metade da casa mobiliada depois da aliança na mão esquerda.
A aliança nem conheceu a minha mão direita. Mal cumprimentou.
Não recebi nada que está em casa, não tive poupança, fundos de investimento. Recebo os amigos.
Sobrevivi, pois precisava. Não há desculpa para sobreviver. Invejo quem premedita o casamento, conhece os pais dela devagarinho, faz as reivindicações antes do contrato, briga por teimosia e capricho pelo tom das paredes e marca dos ladrilhos. Que escolhe a cor do cachorro para combinar com o capacho. Eu não consigo.
Caso para quebrar as regras, para me aproximar no ato, para não deixar o inferno dourar a pele.
Entro no primeiro apartamento e fico. Os livros já são estantes. Ponho o colchão no chão e subi devagarinho com os meses.
Caso rápido porque nunca fui sozinho dentro de mim, porque a saliva é água potável, porque amor é urgência.
Ajeita-se a vida como pode. Um dia a menos não será depois um dia a mais.
Caso em segredo, a dois.
Beijo tem muito despudor para ter medo.
Não me exibo, caso.
Não faço futuro, caso logo para fazer passado.




*Fabrício Carpinejar




"A primeira página dele que li foi uma identificação por toda vida, e quando tinha terminado a primeira peça, fiquei como um cego de nascença a quem um gesto milagroso dá, num instante, a visão. Reconheci, senti vivamente a minha existência expandindo-se numa infinidade, tudo era novo, desconhecido, e a falta de costume com a luz me fazia doer os olhos. Lentamente fui aprendendo a ver, e, graças ao meu gênio de reconhecimento, sinto sempre mais vivamente aquilo que ganhei." Este foi um trecho escrito por Goethe quando conheceu e começou a ler Shakespeare.


Sei que muitos me condenarão, julgarão, mas aqui não me proponho a fazer comparações, simplesmente compartilho deste sentimento tão nobre e necessário para mim e que é premissa para despertar paixão: a ADMIRAÇÃO.




Portanto, minha humilde homenagem à este poeta e escritor gaúcho que aprendi a admirar através dos olhos de uma outra alma generosa que cruzou meu caminho. Quem vai e quem fica? Não sei. Mas Carpinejar, fica. No meu coração aquecido por suas palavras mordazes e doces que me acarinham nos momentos mais oportunos e inoportunos também!