domingo, 11 de março de 2012

Filhos e lírios



“Porque só valem as experiências que fazemos com a própria carne.” A frase é do clássico “Olhai os lírios do campo” do escritor Erico Veríssimo.
Com uma narrativa simples e humana o autor nos leva a refletir sobre quais os valores que priorizamos na vida. Há até uma metáfora sobre a famosa fábula de La Fonatine. Olívia, uma das
personagens principais do livro sugere que cigarras e formigas poderiam viver em harmonia, sem aquele sentimento de culpa, que depois culmina em arrependimento; “a moral egoísta tanto da cigarra, quanto da formiga.”ela diz.
Uma que passa o verão a cantar divertindo-se ao máximo e sem se preocupar com o inverno que já está próximo e a outra que se esqueceu de aproveitar o sol, os dias alegres e pôs-se a trabalhar
incessantemente.
É isso. Faltou equilíbrio. É o que tenho visto acontecendo nos relacionamentos amorosos atualmente. Não adianta você querer uma pessoa que não consegue estar na sua sintonia.
Hoje ouvi de uma pessoa próxima a seguinte frase “cuidado, não vai assustar o cara.” Tudo porque manifestei publicamente a latente vontade que tenho de ser mãe desde que eu tenho uns... 3 anos? É, porque me lembro de brincar com aquelas bonecas estilo “nana nenem” desde essa idade. Carregar no colo, empurrar no carrinho, dar mamadeira. Mesmo sem entender, aquela brincadeira era o exercício lúdico da maternidade.
Não estou aqui para defender que todas as mulheres nasceram para serem reprodutoras. Tenho amigas que nem pensam no assunto. Priorizam a carreira, querem viajar pelo mundo e com um “bacuri” a tira colo, realmente ficaria mais difícil. Não as condeno. Não as julgo.
Mas eu sonho em um dia ver meu corpo mudar. Sentir a barriga crescer, tentar adivinhar o sexo do bebê. Escolher os nomes. Vomitar. Comer sem culpa. E tudo mais que eu, que ainda não passei por essa experiência, não tenho a menor ideia.
Se o homem que estiver comigo não compartilha dessa vontade, ele não está comigo.
Por isso, acho errada essa história de “esconder”, “camuflar”, “pressionar”. A vida é uma só e não há espaço para eufemismos quando o assunto é ser quem você é.
Mais do que estar perto de uma pessoa que têm planos para o futuro, eu quero planos para o presente. Se isso é pressionar, pra mim é deixar de viver “experiências com a própria carne.”.
Obviamente, você não deve pretender ter um filho com alguém que não te ame, que você saiba que será um bom marido e bom pai. Até porque, falei em marido, pois a ideia de produção independente ainda está fora de cogitação para mim. Perdi meu pai cedo, e sei o quanto a presença masculina faz falta.
Enfim, se algum homem ler este post o que eu tentei dizer é que a maioria de nós mulheres quer sim casar, ser mãe, ser bem sucedida, comprar sapatos e bolsas e “aquela” lingerie que deixa vocês loucos. Não se assustem! Aproveitem!
Para as mulheres, a mensagem é que vocês não devem esconder seus sonhos. Não finjam ser
“desencanadas”, se vocês não são de verdade.
Repito: “Porque só valem as experiências que fazemos com a própria carne.” E baladas, sexo,
dinheiro, fama, tudo passa. Contemplar os lírios do campo ao lado de quem se ama não é ler e nem escrever poesia. É simplesmente, existir.

*Plagiando um escritor que conheço, dedico essa crônica para meus filhos, quando os tiver.

sábado, 3 de março de 2012

Desabafo de repórter



Essa última semana de trabalho foi complicada. Todo jornalista quer noticiar o que chamamos de “factual”. Algo que acontece inesperadamente e que vai ter um impacto para a sociedade, chamar
atenção do leitor, telespectador ou ouvinte. Entendam, não queremos mostrar “desgraça”. Eu pelo menos, não quero. Mas tenho obrigação de deixar as pessoas cientes sobre os fatos. Incêndios, crimes, acidentes... Estes três eu diria que encabeçam a lista de factuais. Se eu esquecer algo, relevem. O blog é uma espécie de catarse escrita. O meu divã. Vocês são meus psicanalistas. Pelo menos neste espaço, não tenho a pretensão de ser muito formal.
O meu domingo começou com um factual dos brabos. Tive que cobrir o velório e o enterro de três pessoas que morreram em acidentes aéreos. A repórter Karla esteve lá sabendo da profissão e da função de cada um. A pessoa Karla, imaginava a dor da mãe, dos filhos, dos amigos.
De alguma forma sempre que vou noticiar que alguém morreu decorrente de acidentes, lembro-me da morte do meu pai. Só pra esclarecer, ele foi um privilegiado. Morreu em casa, no sofá. Vendo novela. Foram cinco minutos de um infarto fulminante. Eu havia falado com ele cinco minutos antes. Cinco minutos depois ele começava a ficar sem cor. Eu já não sentia mais sua respiração. Que sensação de impotência! Que arrependimento pelo o que eu poderia ter dito, do abraço que deveria ter sido mais demorado. Parecia que eu enxergava a alma dele me dando tchau e saindo pela janela. Essa experiência acabou me fazendo mais forte diante de tanta tragédia que presencio no meu trabalho. É mais ou menos assim: “eu já me aproximei do que vocês estão sentindo.” Saber, ninguém sabe. A dor é pessoal e intransferível. É a impressão digital de cada um.
Todo mundo vibra por uma sexta-feira. Ontem eu também acordei com a sensação de “Sexta-feira Uhuu!”. A primeira pauta foi checar um acidente na Almirante Barroso. "Menina de 18 anos
morre atropelada por ônibus na faixa de pedestres."
É hora de ouvir as testemunhas. Correr atrás dos fatos. Cerrar os olhos para não ver o cadáver. Mas sempre escapa algum vestígio e acabo cruzando o olhar com a “notícia” do dia.
É claro, quando acontece esse tipo de coisa com alguém tão jovem, as reações são mais chocantes. O desespero é mais pulsante. Não cabe a mim questionar ou apontar culpados e inocentes. Apenas relatar os fatos e ouvir as pessoas. Depois de uma semana cheia de acidentes, tragédias, notícias ruins enfim, me alimento do ceticismo que protege os repórteres de reações extemporâneas.
Tento dormir sem lembrar os inúmeros semblantes de dor. É a profissão que escolhi e isso não é uma reclamação. Apenas a catarse. Eu precisava desabafar.
Há meses não sonho com meu pai.
Mas todas as vezes que penso na alma dele saindo pela janela, minhas pernas ainda ficam fracas. Naquele dia, eu não tinha um microfone para me proteger.