quarta-feira, 20 de julho de 2011

As flores de Ícaro



Ícaro ganhou uma planta de presente da empresa em que trabalhava. Quando ele chegou da rua, lá estava ela embrulhada em um papel transparente. A planta que ele não fazia idéia de que espécie ou família pertencia veio com mais algumas sementes e um manual de instruções: faça alguns riscos no solo, marcando as linhas onde as sementes ou mudas serão colocadas. Plante na profundidade certa. Sementes plantadas muito fundas podem não conseguir subir à superfície e morrer. Sementes plantadas muito rasas podem gerar plantas fracas que tombam facilmente. Não precisa ser a medida exata, mas evite erros grosseiros.
Que maravilha! – ele pensou. Quem dera se a vida viesse acompanhada de um manual tão claro e objetivo. Poderia ser assim o relacionamento com a namorada Marília. Quando ela diz “não precisa me buscar no aeroporto.” Será tão difícil de entender que às 6h40 da manhã, no horário tão ingrato do vôo mais sacrificante de todos, depois de dois anos de encontros e despedidas ela sempre procurava por ele segurando uma plaquinha com as quatro letras no saguão do aeroporto? Ou em devaneios mais graves, quem sabe ele estaria com um buquê de flores do campo, escondido atrás de algum carro no estacionamento?
Ou das vezes em que Marília despiu-se e revelou a calcinha nova, comprada para aquela ocasião; porque ele pulava a parte dos elogios? Ora, ela não estava cansada de ouvir falar sobre sua beleza? Onde já se viu um quarentão apaixonado por uma adolescente? Mas na literatura tudo é permitido. Ele jamais sentiria ciúmes do tal Dirceu. Deixava-o com seus planos de uma vida futura sossegada e seu tom meloso, que só Marília mesmo para admirar...
A Marília verdadeira vivia com ele naqueles efêmeros dias. Os ósculos roubados. Os ósculos depois implorados. A pequena tinha o dom de importunar! Na hora da leitura sagrada ou do jogo do time fracassado que perde todos os pênaltis.
Ícaro, se você tivesse um pequeno glossário de sentimentos, poderia ter evitado o choro incontido dela. O pranto que à noite se transformava em ronronar (para não ser indelicado e tornar público que a moça roncava mesmo).
Ícaro, que tantas vezes exaltou a redundância. “A repetição leva à perfeição”, você dizia aos seus alunos. Não conseguia perceber que todas as vezes que ela falou sobre sentimentos estava com a garganta arranhando. A boca seca pelo medo de ser repreendida. Quanta pressão! Respeite pelo menos a minha doença! É com a diastólica que devemos nos preocupar. A mínima é que exige a máxima atenção, você bradava.
Marília queria tudo de você. Seu amor, seu afeto, sua amizade, sua cumplicidade, a calcinha no útero, os pronomes trocados e agora os nomes também. Ela desistiu de pedir mais de um travesseiro na cama. Abriu mão do primeiro e do último pedaço do pão. Fechou os olhos para a sua insensibilidade; embora ela nunca tenha descoberto se era proposital ou simplesmente resultado da falta de exercício.
Você que leu Shakeaspeare e ensinou que todo o cuidado com o manipulador do lenço era pouco. O demônio de olhos verdes a rondava. Ela o via em seus pesadelos. E não se materializava em uma personagem de seus romances e nem nas ancas largas do teu passado.
Ícaro, qual é então, o teu medo? Você não aprendeu que voar até próximo do sol é mais perigoso do que podias imaginar? E Marília que não tem parentesco com deuses nem semideuses quantas vezes já te ajudou a tirar os pés do chão?
Esqueça o manual de instruções. Esqueça os 19 volumes de Freud. Você teme mergulhar no continente negro. Não o continente que abrange os países daquelas que deitaram no teu divã e alugaram os teus ouvidos. O continente onde está a cidade praiana onde um dia você poderia morar.
Neste país em que na mesa de jantar o lugar é para dois. Onde os festejos são embalados pela batida do som inaudível.
Plante a semente. Deixe a vida florescer. Só não corte jamais as rosas. São as únicas flores que Marília e sua mãe Virgínia, jamais suportariam ver cortadas.

domingo, 3 de julho de 2011

EU Vs ElaS



Todo namorado tem uma ex-namorada para encher o saco. E elas são de todos os tipos. Podemos encontrar desde a louca e inconformada, como até a pseudo-legal que só quer preservar a amizade. Seu namorado diz que manter a amizade com a ex é sinônimo de civilidade. É o discurso dele. Eu não faço questão dessa imagem. Você, amiga que ainda visita este blog cheio de teias de aranha, pode muito bem estar se familiarizando com o tema.
Você acha que tem problemas com a ex do seu atual? Então aí vai um consolo.
Nada como namorar um escritor. Além das ex-namoradas há as personagens. E nessa briga, eu perco feio.
Se ele me telefona três vezes ao dia, eu que me dê por satisfeita! Mas as personagens?! Ele pensa nelas o tempo todo. O dia inteiro. No banheiro. Durante as refeições. Quando está dirigindo... É pior do que a Luana Piovanni como mulher invisível.
A minha arqui-rival se chama Nicole. Ela já foi loira, já teve olhos verdes, joelhos ralados. A bruaca ainda tem a mesma profissão que eu. No primeiro livro ela era repórter de TV. A nossa diferença? Ela já ganhou o prêmio Esso. Depois ela apareceu como estudante de psicologia e mais recentemente ao que eu soube anda se aventurando no mundo das ciências biológicas.
Nicole nunca me enganou. Quem leu o “Analfabeto que passou no Vestibular” e “O marido perfeito mora ao lado” sabe bem ao que me refiro. Essa figura não é flor que se cheire!
Porém, continua mais presente do que nunca na vida do meu namorado. É claro que já perguntei de onde ele tirou inspiração para tantas qualidades e defeitos dessa “zinha”. E adivinhem? Nicole é uma mistura de todas as ex-namoradas, “ficantes”, conhecidas e até desconhecidas dele. Isso aí. Ele pegou o cabelo de uma, a perna de outra, o braço de mais outra e jogou tudo no processador de ideias. O resultado foi a gororoba da Nicole.
E aos amigos escritores e por ventura corporativistas, não me digam que personagem é como filha do autor. Não agüentaria presenciar um incesto.
Nicole é imprevisível. Mas altamente presente. Se falamos sobre um novo livro, roteiro, novela, sempre tem que ter o papel da Nicole em destaque. Ela é ardilosa. Ele já perdeu noites de sono pensando nela e o mau-humor da manhã seguinte, quem agüentou fui eu.
Só a conheço através dos olhos dele. Nunca soube se era alta ou baixa. Como leitora, me sinto no direito de imaginá-la bem baixinha. Uma tampa de refrigerante que só com um cascudo do alto dos meus 1,78m a faria beijar a lona. Que ela é inteligente não posso negar. É público e notório. Afinal, quem apronta o que ela já aprontou e sem ser pega, tem um Q.I acima da média. Convivência com ele, obviamente. Sozinha eu duvido que ela consiga chegar até a tapioca da baiana na esquina.
Mas tudo bem, queridinha. Pode continuar nas nossas vidas. Apareça sempre. Traga criatividade e inspiração. Divido espaço com você na noite de autógrafos. Não me importa que todos fiquem eletrizados com suas tramóias. Estarei sempre de olho! Fique com seus joelhos ralados. Mas o cotovelo dele, pode deixar que eu cuido e muito bem!